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Anvil no Brasil - a vida ao vivo

Um colega de escola, precoce e ávido colecionador de discos importados e caríssimos de heavy metal, foi o primeiro a me falar do canadense Anvil.

Na época, estamos falando de 1986, não conheci a banda o suficiente para fazer um julgamento. E, ainda por cima, toda minha atenção era sequestrada por grupos como Slayer e Metallica que, naquela altura, lançavam os discos de suas vidas.

O tempo passou e meu colega largou o interesse por rock para transformar-se no manda-chuva da maior torcida organizada de futebol do Brasil. Quando seu time foi rebaixado para a Série B, lá estava ele nos noticiários: entrou no ônibus do clube e distribuiu sopapos em vários jogadores.

É evidente que para esse sujeito e muitos outros, uma banda como o Anvil é uma pálida recordação da adolescência. O grupo jamais estourou, embora tenha pelo menos dois discos que fizeram a cabeça de muitos metaleiros dos anos 80: "Metal on Metal" e "Forged on Fire".

Eu mesmo só descobri que estavam na ativa, vinte e tantos anos depois, quando li a sinopse do documentário "Anvil! The Story of Anvil", exibido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

Contrariando qualquer prognóstico, o filme causou frisson em vários festivais pelo planeta e conquistou admiradores como Michael Moore e Keanu Reeves.

Assisti ao documentário no ano passado e me vi enxugando as lágrimas por duas ou três vezes. O filme é comovente e a história de como ele tornou-se realidade é tão fascinante quanto o próprio filme.

A direção é de um inglês chamado Sacha Gervasi. Na década de 80, ele tornou-se amigo dos músicos Lips e Rob Reiner no camarim do lendário Marquee, em Londres. De lá, ainda menino, mandou-se para visitar o pai em Nova York nas férias e deu uma esticada até Toronto, onde reencontrou o Anvil e tornou-se roadie da banda. Não teve sequer o trabalho de avisar a família.

Duas décadas depois, o menino já era um prodígio roteirista de Hollywood cujos créditos incluíam o filme "O Terminal", estrelado por Tom Hanks e dirigido por Steven Spielberg.

Num dia qualquer, Gervasi lembrou-se dos velhos amigos do Anvil e, imagino eu, ficou abismado com o fato de a banda continuar na ativa e pregando para meia-dúzia de fãs.

O resto é história.


Gervasi encontrou-se com o guitarrista e vocalista Lips e daí surgiu a centelha criativa para escrever e dirigir um documentário sobre a banda - mais precisamente sobre a louca amizada entre Lips e o baterista Rob Reiner.

O documentário botou abaixo todas as aparências e escancarou a dureza de vidas vividas com um pé no underground e outro no “mundo real”.

Muitos anos após o lampejo de fama no mundo do heavy metal, Lips trabalha entregando marmitas. Reiner pinta quadros em casa para manter a sanidade. Os parentes não se conformam com tanta teimosia. Afinal, por que a banda daria certo quando seus integrantes já entravam na casa dos cinquenta?

Lars Ulrich, Lemmy, Scott Ian, Slash e Tom Araya enchem a bola do Anvil logo na abertura do filme, mas ninguém é capaz de entender porque a banda não deu em nada.

A repercussão de "Anvil! The Story of Anvil" tirou os canadenses do limbo musical e os colocou de volta no circuito dos festivais. Um final feliz com o melhor do clichê sobre a vida, de fato, imitar a arte.

O triunfo dos amigos-irmãos Lips e Reiner comoveu gente do mundo todo. Gente que não era nascida quando o Anvil teve seu primeiro pico de popularidade, e gente que sequer gosta do metal à moda antiga que eles tocam.

No próximo domingo, dia 27, o Anvil se apresenta em São Paulo.

Assista ao filme e vá ao show.

Dissecando o novo Social D

A reação ao novo disco do Social Distortion, "Hard Times & Nursery Rhymes", lançado no mês passado, coloca, pela primeira vez, os fãs da banda de Orange County em cantos diferentes do ringue.

O álbum -lançado pela Epitaph, do midas Brett Gurewitz- está levando o Social D a novos patamares de popularidade. "Hard Times & Nursery Rhymes" estreou em um inédito 4º lugar da Billboard -segundo informações obtidas no site SXDX- e teve mais de 100.000 cópias vendidas nos EUA nas primeiras duas semanas. Nada mal para uma banda com 30 anos de carreira.

Mas ouvindo opiniões de amigos e acompanhando as discussões em fóruns pela internet, não é difícil perceber que existe, sim, uma minoria bastante desapontada com o caminho escolhido pelo grupo para seu sétimo álbum de estúdio.

A queixa é simples: "Hard Times & Nursery Rhymes" não é pesado o suficiente ou tampouco tem aquele clima de "faca nos dentes" que Mike Ness sabe tão bem empregar em suas interpretações. Além disso, o disco tem backing vocals femininos, algo meio gospel até, e um piano que insiste em se enfiar onde não é chamado. A quantidade de baladas também é maior que a de seu predecessor, "Sex, Love and Rock'n'Roll", embora o lado baladeiro de Ness tenha surgido ainda nos anos 80, com o disco "Prison Bound".

A maioria que defende o novo álbum fica entre a devoção pura e a sensação de que Mike Ness amadureceu como compositor a ponto de arriscar-se em novos territórios enquanto mantém algumas das marcas registradas do Social Distortion.

Todos têm um pouco de razão.

Em certa medida, "Hard Times & Nursery Rhymes" promete mais do que entrega. A primeira música de trabalho, "Machine Gun Blues", é Social D em sua essência. Mas a audição do álbum, na íntegra e com o devido cuidado, revela a opção por uma produção limpa e com alguma orientação radiofônica, além de uma escolha de arranjo e repertório que tira o fã de sua zona de conforto.


Abaixo, Caixa Preta disseca o disco:

"Road Zombie" é uma instrumental envenenada que vem sendo tocada ao vivo já há algum tempo e abre os trabalhos dando as pistas erradas. Lá pela metade do álbum, ficará evidente que a introdução destoa completamente do repertório.

"California (Hustle and Flow)" traz um riff de guitarra reto, reminescente de um AC/DC, o que não é ruim, claro, mas bem diferente. E por diferente, ainda, temos cantoras fazendo os vocais de apoio no refrão. Parece um cruzamento mais "radio friendly" de "Highway 101", do trabalho anterior, com alguma coisa de Black Crowes. A música, no entanto, é melhor que a descrição faz crer.

"Gimme the Sweet and Lowdown" pode tornar-se um dos carros-chefe do disco. Recupera o som do Social D de 15 anos atrás, com a mesma marcação de bateria e tudo, mas, claro, sem a angústia daquela época. A música de Mike Ness reflete sua vida e, já há algum tempo, o junkie deu lugar a um pai de família e músico bem sucedido. Ness parece feliz e sua honestidade como compositor não lhe permite voltar ao fundo do poço com a verdade de anos atrás.

"Diamond in the Rough", a quarta faixa do álbum, brilha com arranjos de guitarra bluesy e aquele clima de "Sometimes I Do", do clássico "Somewhere Between and Hell", de 1992. Assim como em "Sex, Love & Rock'n'Roll", há muito esmero nos back-up vocals. A canção é um dos destaques do álbum.

"Machine Gun Blues" é puro Social D, talvez apenas um pouco suavizado pela produção. Apesar do ceticismo, o disco se segura muito bem até aqui. "Machine Gun Blues" tem um pegajoso riff de guitarra e letra que exalta a cultura gangster da década de 30, tema recorrente, como, de resto, são os versos de outras canções do álbum que repetem clichês como "junkies, winos, pimps and whores", citações ao casal de foras-da-lei Bonnie e Clyde, pin-ups, carrões e tatuagens.

"Bakersfield" foi muitíssimo elogiada pela crítica. Em qualquer resenha que se leia, é tratada como uma peça de blues profunda e de alta intensidade emocional. Mesmo que sua introdução, Deus me perdoe, lembre alguma balada de Lenny Kravitz saída do álbum "5". Um Hammond bem colocado e, mais uma vez, backings bem arranjados, levam a música a um nível de composição que os defensores do disco chamam de "maduro". E, honestamente, até seus 4:30, não soa tão diferente de outros temas confessionais do vocalista. Mas, aí, um desnecessário monólogo esbarra na auto-indulgência do Ness produtor. Material como esse poderia ter sido guardado para um terceiro álbum solo de Mike.

"Far Side of Nowhere" é outra canção ensolarada e com o dedo visível de Johnny Wickersham. É o Social D na auto-estrada, de capota baixa e de bem com a vida. Já diz o refrão: "Put the pedal to the metal / Baby, turn the radio on". Quer pessimismo e amargura? Volte a 1996 ou salte para a próxima canção.

"Alone and Forsaken", original de Hank Williams, foi lançada como um lado B nos anos 90. Aqui, Ness dá novo tratamento a esse tema de um seus cantores country prediletos. Dá para imaginar que será uma requisição do repertório ao vivo da turnê.

"Writing on the Wall" é uma balada fora de hora e que complica as coisas pela primeira vez. Sem o arranjo açucarado e o desnecessário piano, passaria sem sustos.

"Can't Take it With You", por outro lado, soa como uma versão refrescante de algum material gravado em 1990 e no qual as cantoras de apoio só acrescentam. Tem o mesmo pianinho, suposto vilão de outras canções, mas aqui a serviço de um rock'n'roll suculento. Social D em grande forma.

"Still Alive" tem ecos de "Far Behind", faixa gravada em 2007 como bônus para o CD de "Greatest Hits". Versão mais melódica e emotiva da fórmula que a banda consagrou, porém com um escorregão no final e um piano que, de alguma forma, diz muito sobre o disco.

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A versão em vinil de "Hard Times & Nursery Rhymes" traz duas canções adicionais. Um amigo do Caixa Preta fez a gentileza de ripar as faixas de seu LP e nos mandar em gloriosos arquivos MP3.

Vamos a elas:

"Take Care of Yourself", com seu charme meio anos 80, seria, fácil, um dos destaques da versão normal do disco. Bela linha de voz e um riff de guitarra"catchy". Difícil entender como ficou de fora do tracklist do álbum.

"I Won't Run no More" repete a dose de "Take Care of Yourself". Mais uma canção que vai direto ao ponto com a fluidez criativa que Ness esbanja quando joga em seu território. Poderia ser essa a orientação musical do disco? Ouça e tire a dúvida.


Social D toca no popular programa de entrevistas de Conan O'Brien em 18.01.2011.

Tom Petty e o Grammy

O Grammy deveria estar para a música americana como o Oscar está para o cinema. Mas, por alguma razão, a premiação musical nunca teve a mesma audiência ou glamour.

Talvez porque artistas de terceira classe ganharam prêmios que deveriam ser de primeira. Talvez porque a indústria do cinema consiga mobilizar uma certa nata social que a indústria do disco não consegue tocar. Não importa: fato é que o Grammy, ao menos para os fãs de música, não parece ter muita importância.

Mas a edição deste ano, que acontece daqui a 3 dias, em Los Angeles, tem algo para sair da mediocridade. Um dos indicados na categoria de "Melhor Álbum de Rock" é "Mojo", discaço de ninguém menos que Tom Petty and the Heartbreakers.

Não que, à essa altura da carreira, Petty precise de condecorações. Afinal, tudo o que gravou no século XX ganhou disco de ouro ou platina. Já foi homenageado com uma estrela na Calçada da Fama, em Hollywood, e teve sua vida contada num documentário com inacreditáveis 4 horas de duração, dirigido pelo cineasta Peter Bogdanovich.

Mesmo assim, será divertido ver Petty, aos 61 anos de idade, competindo, ao lado de Neil Young, 66, e seu "Le Noise". O rock'n'roll, quem diria, está a salvo nas mãos de artistas sexagenários.


"Mojo" apenas confirma o talento sobrenatural de Petty para trabalhar com a fórmula pura do rock'n'roll e seu grave acento sulista. Mas seria injusto não falar dos Heartbreakers, a banda de apoio que está para ele como o Crazy Horse para Neil Young. Uma clássica formação dos Heartbreakers, que, diga-se, quase não mudou em 30 anos, e que inclui o gênio da guitarra Mike Campbell, é responsável pelo "molho" desse disco que pode ganhar um Grammy.

Gravado "ao vivo" no estúdio, sem overdubs, autotune ou outros recursos, o disco, nas palavras do guitarrista-base Scott Thurston, "remete a tempos mais 'pantanosos', quando as coisas eram mais verdadeiras".

No próximo domingo você tem algum motivo para se importar com o Grammy.



Assista acima ao trailer de "Runnin' Down a Dream", documentário épico de Peter Bogdanovich sobre a carreira de Tom Petty.



E aqui, ao alucinante video-clipe da própria "Runnin' Down a Dream", uma das melhores canções de todos os tempos.