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Por onde anda o ZZ Cruiser?


Quem gosta do ZZ Top, sabe que Billy Gibbons tem duas paixões declaradas: guitarras elétricas e hot rods. O barbudo texano coleciona os dois - tem uma infinidade de guitarras e uma frota de carangas.

É dele, inclusive, o Ford 1933 exibido nos emblemáticos video-clipes de "Legs", "Gimme All Your Lovin" e "Sharp Dressed Man". Gibbons chamava o carro de Eliminator e daí sairia não apenas o título, mas também o tema da capa do multiplatinado disco de 1983. O hot rod apareceria outra vez na capa do álbum seguinte - "Afterburner".

O carro virou objeto de desejo e ícone pop.

No ano passado, o ZZ Top esteve no Brasil pela primeira vez depois 40 anos de carreira.
A Chrysler do Brasil bolou uma ação de marketing promocional bem simpática: customizar um PT Cruiser sob medida para Billy Gibbons. O bicho ganhou até nome: ZZ Cruiser.

A lógica era perfeita: a faixa-etária dos fãs do ZZ Top é de quem já tem verba para comprar um bom automóvel. Assim, associar o PT Cruiser a uma banda famosa por adorar carros bacanas era uma estratégia com alguma sofisticação. Muito mais chique, por exemplo, do que dar o carro de presente a um cantor sertanejo ou uma estrela do axé.

Com um bom trabalho de assessoria de imprensa, a notícia repercutiu. Digite o termo "PT Cruiser ZZ Top" no Google e veja quantas centenas de sites divulgaram a história.

Segundo o portal da Quatro Rodas, principal revista brasileira sobre o mercado automotivo, o ZZ Cruiser, após ser exposto no Salão do Automóvel, seria exibido no Via Funchal e, de lá, embarcaria direto para a América com seu novo dono.

De fato, o ZZ Cruiser estava lá, todo pimpão, na entrada da casa de shows. Um backdrop ilustrado com uma imagem do deserto americano dava um ar de importância ao custom brasileiro. E funcionou: muitos fãs se aglomeravam para fotografar a caranga.

Sabe-se que, no auge do sucesso do ZZ Top, era tão grande a demanda por aparições públicas do famoso hot rod, que Gibbons mandou customizar um outro Ford 33 à imagem e semelhança do Eliminator original.

Lembrei-me disso em novembro, exatos seis meses após os antológicos shows do trio texano no Brasil, quando avistei o ZZ Cruiser circulando calma e anonimamente pela região do Parque do Ibirapuera. O carro desapareceu sem alarde pelo trânsito tranquilo de uma tarde de sábado paulistana.

Tive tempo apenas de sacar meu celular e registrar o momento para a foto que abre esse texto. Só não garanto que ao volante estivesse o maior guitarrista vivo.

Então fica a pergunta: Billy deu de ombros para o presente da Chrysler que, de fato, nada tem a ver com a cultura rodster? Ou teria o ZZ Cruiser, a exemplo do mitológico Eliminator, um gêmeo idêntico rodando por aí?

Só Billy e a Chrysler podem responder.

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Assista acima ao verdadeiro Eliminator em ação num dos clipes que definiu a primeira fase da MTV americana, a própria década de 80 e, claro, levou o ZZ Top ao megaestrelato.

St. Patrick's Day: dia de ouvir Thin Lizzy

Ontem foi Dia de São Patrício -o tradicionalíssimo St. Patrick's Day- e nada melhor para comemorar a data que alguns pints de Irish Stout e uma overdose de Thin Lizzy.

São Paulo tem alguns bons pubs ao estilo irlandês. Um deles, O'Malley's, há anos traz a banda folk irlandesa Murphy's Law para alegrar os bebuns locais e estrangeiros que vestem verde e caem de boca em saborosas Guinness.

Mas no meu pub ideal só tocaria Thin Lizzy. Eu gosto de folk irlandês, especialmente de bandas como The Dubliners e Clancy Brothers, sem contar o maravilhoso The Pogues e seu amálgama de punk, folk e poesia de rua. Mas a definitiva banda irlandesa, aquela que enfiou o folclore gaélico no rock sem qualquer cafonice, foi mesmo o Lizzy.

Coincidência ou não, enquanto cidades inteiras se esbaldavam na festa popular mais divertida do planeta, eu devorava solitariamente a biografia "Philip Lynott: The Rocker", escrita pelo jornalista Mark Putterford.

O livro é ótimo. Embora seja econômico ao contar a infância de Philo, é riquíssimo em detalhes sobre suas aventuras musicais e extra-musicais. Desde as primeiras bandas -Black Eagles, Skid Row, Orphanage- até a gloriosa ascensão e queda com o Thin Lizzy.


Há curiosidades de sobra, como o último show do guitarrista original Eric Bell: concerto de final de ano em Belfast, sua cidade natal, e o cara simplesmente bebe durante 24 horas e é arrastado para o palco em estado deplorável. No dia seguinte, estava fora da banda e dando graças a Deus por isso: "Era perder o Thin Lizzy ou minha vida. Escolhi sobreviver".

E que tal descobrir que Freddie Mercury dava chiliques no camarim quando o Lizzy abriu uma turnê americana para o Queen: "Estão ouvindo os aplausos? É mais um bis! Tirem esses caras do palco!".

Surpreende também que o primeiro hit da carreira, a magnífica versão de "Whiskey in the Jar", tenha sido gravado com muitas ressalvas pela banda. Eles temiam ficar estigmatizados, mas tiveram ali seu primeiro lampejo de fama.

Lynott era adorado por muita gente. Fiel a seus colaboradores, filho amoroso e um inveterado ladies' man. Talvez por isso, conseguia ter as amizades mais malucas: era chapa de Phil Collins e Mark Knopfler, amigo do peito de Huey Lewis, brother do Lemmy, companheiro de excessos de Bob Geldof e abriu sua casa para Sid Vicious injetar heroína e ser fotografado com Nancy no banheiro...

Não fosse suficiente, ainda montou a banda de covers The Greedy Bastards com Steve Jones e Paul Cook, dos Sex Pistols, e alguns colegas do Thin Lizzy. Já imaginou Jones e Cook tocando "The Boys Are Back in Town" e "Pretty Vacant" junto com Gary Moore e Jimmy Bain (baixista do Rainbow e do Dio)? Isso aconteceu. E no fim dos 70's.

Impressiona ainda a sequência interminável de gravações e turnês. Não havia descanso entre viagens e discos. Nessas andanças todas, Lynott e turma se meteram em aventuras surreais. De fugirem de um sósia do Barry White -armado- pelas ruas de Memphis até o convite para serem jurados de um concurso de misses na Austrália.

O livro traz depoimentos de praticamente todos os personagens-chave na vida de Lynott. Sua adorada mãe, todos os companheiros de banda, roadies, empresários, executivos de gravadora, agentes e outros músicos.

No Dia de São Patrício, a antiga frase de Philo faz ainda mais sentido: "Everybody's got a little Irish in them".

Youth Brigade e a invenção do faça-você-mesmo

No início dos anos 90, chegou às minhas mãos uma cópia em VHS do documentário "Another State of Mind". O filme, lançado em 1984, mostra as desventuras das bandas Youth Brigade e Social Distortion pela América do Norte em uma pioneira turnê independente.

Eu não havia visto nada do gênero até então - provavelmente porque não existia nada como aquilo. Um documentário profissional registrando um momento histórico na cena punk americana. O impacto foi tremendo.

Assisti ao filme várias outras vezes ao longo dos anos e, quando o comércio eletrônico surgiu, finalmente comprei uma cópia original.

"Another State of Mind" não apenas reforçou minha fé no espírito do faça-você-mesmo, que viveu seus dias de glória com o punk americano do início dos anos 80, como também me tornou admirador confesso das duas bandas que protagonizam a história.



O Social Distortion foi a parte que não agüentou as atribulações daquela turnê sem dinheiro ou conforto. Quem viu o filme sabe que Mike Ness se mandou de volta para Orange County antes da tour chegar ao final, uma atitude que dava pistas sobre seu futuro distanciamento do gueto punk e o perfil solitário - o perfeito oposto dos agregadores irmãos Stern, do Youth Brigade.

Ao longo de quase 3 décadas, os Stern idealizaram a turnê registrada em "Another State of Mind", fundaram o selo BYO Records e o clube punk Godzilla's, organizaram festivais e até o descolado torneio de boliche Punk Rock Bowling, em Las Vegas, que este ano completou 13 edições.

O clã é responsável por colocar o punk de Los Angeles no mapa, embora, estranha e injustamente, jamais tenha tido a mesma projeção e reconhecimento de seus pares mais famosos.

Em 1996, entrevistei o vocalista e guitarrista Shawn Stern por telefone. Na época, ele lançava o que seria -e é, pelo menos até então- o último álbum de estúdio do Youth Brigade: "To Sell the Truth".

Articulado e idealista, Shawn forma, ao lado de Jello Biafra e Ian MacKaye, uma espécie de núcleo intelectual dos valores punk nascidos no fim da década de 70.

Todos fundaram seus próprios selos, produziram discografias de respeito e mantiveram-se, dentro do que é humanamente possível, coerentes a seus princípios.

Há algumas semanas fui presenteado com uma peça de registro histórico: "Let Them Know - The story of Youth Brigade and BYO".

O item foi adquirido por um amigo das mãos do próprio Shawn Stern após um show do Youth Brigade, em Los Angeles, na última noite de 2010.

"Let Them Know" é o que chamamos no Brasil de "livro de arte" - e que os americanos chamam de "coffee book table". Ou seja, um livro em formato grande, com capa dura e acabamento gráfico de primeira. Mas não é só isso.

O livro traz, encartados, dois LPs prensados em vinil colorido com várias bandas do cast da BYO Records tocando covers umas das outras. A biografia oferece descobertas surpreendentes como a de que Matt Groening, futuro criador dos Simpsons, era um dos incentivadores da BYO, divulgando seus shows no períodico L.A. Reader do qual era crítico musical.



Mas a cereja do bolo é um documentário de 90 minutos, também intitulado "Let Them Know", que mostra como a história do Youth Brigade e da BYO mistura-se a do punk de LA.

É incrível rever, vinte e tantos anos depois, alguns rostos mostrados em "Another State of Mind" no auge da efervescência e rebeldia juvenis. E não falo apenas dos irmãos Stern, mas também de alguns integrantes da trupe. Outras figuras "icônicas" como Ian MacKaye, Fat Mike (NOFX), Kevin Seconds (7 Seconds) e Steve Soto (The Adolescents) oferecem seus insights sobre o Youth Brigade e a cultura punk da época.

Há tantos causos e observações imperdíveis em "Let Them Know" que o assunto mereceria um texto à parte. Entre os destaques, as loucuras do squat Skinhead Manor, os festivais Youth Movement de 1982 e 83 e as memórias sobre a participação em "Another State of Mind" (entre as revelações, o fato de que Pete Stuart, co-diretor do documentário, é filho de Mel Stuart, o diretor de "A Fantástica Fábrica de Chocolate"!).

Se os Stern jamais tiveram o reconhecimento de outros ícones punk norte-americanos, uma pequena imersão em "Let Them Know" -o filme e o livro- fará qualquer um passar a lembrar desses judeus canadenses que imigraram para a Califórnia no início dos 70's, como co-inventores do faça-você-mesmo.

E o melhor: a música do Youth Brigade é sensacional. Vá atrás!


Assista acima ao trailer de "Let Them Know".


E aqui, o Youth Brigade ao vivo, em plena forma, no ano de 1996.