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Como Redson e o Cólera criaram o punk no Brasil

Acabaram os shows intermináveis, os discursos pacifistas, a guitarra nervosa, os coturnos e os punhos cerrados.

Redson, líder do Cólera, morreu nessa madrugada. Tinha 49 anos de idade e é o primeiro dos grandes ícones do punk brasileiro a sair de cena e entrar para a história.

Em 1987, quando publicava meu primeiro fanzine impresso, ganhei uma foto ampliada e muito bonita do Cólera: Redson dava um salto, empunhando a guitarra, em um show no há mui extinto Radar Tantan. Décadas antes das câmeras digitais, botar as mãos numa fotografia original, e daquela qualidade, era raro.

Junto com a foto, consegui uma cópia, gravada em cassete, do clássico álbum Tente Mudar o Amanhã. O estrago estava feito. Não importava mais o que escrever sobre a banda, apenas ouvir aquela fitinha, o tempo todo, e, meses depois, ter que remendar seu magnético de tão emaranhado.


Os discos do Cólera eram gravados com parcos recursos. Os primeiros LPs de punk rock registrados no Brasil, aliás, têm esse som cru, às vezes sem peso, mas sempre com execuções sinceras e energéticas.

De todos os protagonistas daquela geração, foi Redson quem desenhou a sonoridade definitiva do punk brasileiro. Costuras de guitarra em faixas como "Amanhã" mostram que ele tinha ouvidos para o pós-punk, e, anos depois, em "Caos Mental Geral", já podia brincar de criar arranjos punk inspirados nas trilhas de spaghetti western.

Em 1999, estive envolvido na produção de um disco tributo ao Olho Seco, outra das bandas históricas do underground paulistano. Redson, que participou brevemente da primeira formação do grupo, rouba a cena no projeto. Não apenas juntou-se a Fábio Sampaio e outros integrantes originais, para registrar uma canção com o lendário line-up, como gravou três faixas, sozinho, como Cólera.

Os produtores quebraram a cabeça para que Redson aceitasse usar os recursos tecnológicos de então e fazer sua guitarra soar mais pesada, mais "crunchy". Não adiantou: punk rocker convicto, e com conhecimento empírico de sua arte, Redson já tinha, há anos, sua própria assinatura sonora. Antes de gravar, já sabia exatamente como os instrumentos deviam soar.

Vi incontáveis shows do Cólera ao longo dos anos. E acredite, nenhum ruim.

A última vez que vi Redson foi no aniversário de meu irmão. A maioria bebia, conversava ou jogava snooker. Redson, numa mesa de canto, entretinha meia-dúzia de fãs tocando violão com desconcertante simplicidade.

Hoje sua morte repercute em grandes veículos de comunicação e é lamentada por todos os canais de internet.

R.I.P., Redson.


Cólera toca "Medo" no extinto programa Musikaos, da TV Cultura

Rock in Rio vende diversão segura

Não consigo imaginar um cenário em que a música seja mais mal tratada que um festival como o Rock in Rio. É tudo fake: conceito, público, cobertura midíatica e, em certa medida, os próprios artistas.

Reclamar que o festival é mais pop que rock virou lugar comum. Mas quem, com um pingo de juízo, esperava por uma curadoria séria num negócio milionário como esse?

Faz todo o sentido a presença de gente como Rihanna, Shakira e Katy Perry num evento em que a música só parece atrapalhar. Sim, porque o RIR tem roda gigante, tirolesa e até salão de beleza, no que está mui conectado à relação da juventude com a música.

Em 1985, quando eu tinha 14 anos incompletos, já questionava as presenças de Elba Ramalho e Ivan Lins no festival. Um quarto de século depois, a queixa por "mais rock" soa datada.

E há outra coisa que incrivelmente não mudou: o tratamento global para algo tão assimilado e estabelecido como o rock'n'roll. Os "rockeiros" são mostrados em sua faceta mais gloriosamente débil, o que apenas justifica o empacotamento da festa como a diversão segura que de fato é.

O setor VIP, essa coisa tão brasileira, também pede passagem. Famosos saem do armário ao vivo: uma atriz jura que é fã dos Chili Peppers desde criancinha; outra confessa que gosta mesmo é de samba, mas que o Sepultura tem uma "guitarra gostosa". Sério.

O deserto de bandas brasileiras minimamente relevantes assusta. É como se não tivesse surgido ninguém em décadas para suceder a geração 80. Um modorrento encontro de Titãs e Paralamas manda o recado, enquanto o Capital Inicial, em sua incansável cantilena sobre o rock de Brasília, e com um Dinho Ouro Preto tão messiânico quanto gagá, bate os últimos pregos no caixão.

O line-up do festival em seu primeiro final de semana é deliciosamente confuso. O Snow Patrol encara 100 mil pessoas armado de um hit solitário e derrapa na introdução da faixa. "Isso é bastante incomum, mas pelo menos você vão ter os Chili Peppers depois", lamentou o vocalista com algum humor.

Só que o quarteto angeleno aparece sem brilho, numa performance que foi repetidamente chamada de "arrasadora" pelo jornalismo silvícola. Anthony Kiedis, zilionário, não se constrange em fazer um merchan safado para a Brahma. Já Flea, mais discreto, se restringe a homenagear o país com a camisa da Seleção. Bastante original.

Ao final de um set list mais frio que quente, outra homenagem, dessa vez ao falecido filho da global Cissa Guimarães. Um inocente e bem orquestrado aperitivo para os megaeventos internacionais que se avizinham e que terão as mãos e os braços dos Marinho, de Nizan Guanaes e companhia. Vá se preparando.

A famosa e concorrida "noite do metal", que começou em 1985, com AC/DC, Ozzy Osbourne e outros, é onde, dizem, está o rock que dá nome ao festival. Mas a sensação de artificialidade permanece. O que justifica a histeria do público pelo Motörhead, que toca todo ano no Brasil e que há apenas 6 meses excursionava por aqui? Talvez, como Zeca Camargo, os metaleiros de ocasião acreditavam tratar-se da primeira vez da banda em nosso país.

Uma falha no amplificador de Lemmy é espertamente escondida na edição ao vivo, enquanto Phil Campbell enche lingüiça. Na saída do palco, o cinegrafista encurrala Lemmy, que é flagrado discutindo com um técnico. Cabe a Campbell enxotar, ao vivo, o cameraman abelhudo. Corta para o estúdio do Multishow, e o baterista Mikkey Dee lamenta as falhas técnicas. As apresentadoras se surpreendem: "Olha, ele tá falando de alguns probleminhas, mas a gente nem percebeu, viu".

As bobagens se sucedem. "Os caras do Metallica são uns fofos, pais de família e que estão sossegados na casinha deles lá na Califórnia". Aham. E a colega da apresentadora retruca: "Nossa, e já tem 12 anos que eles não tocam no Brasil, né?". Que tal 2010?

Teipes com os destaques do dia tapam buraco na transmissão ao vivo do tal Palco Mundo. O ótimo Mondo Cane -possivelmente a grande atração artística do festival- é mostrado em 20 segundos, nos quais Mike Patton nada canta. Sensibilidade zero. Já o Korzus e uma coisa chamada "punk metal all stars" -que tinha até East Bay Ray, veja só- foi privilegiado com uma música exibida na íntegra e na qual o vocalista puxa um côro do hino nacional. Mas hein?

Slipknot é uma das encrencas que sobrou do enfadonho nu metal. Mesmo assim, e estranhamente, eles trazem algo que faltava ao festival: esculacho. No meio de tanta brodagem e entretenimento seguro, alguns riffs emprestados do death metal, os dedos médios em riste e as fantasias escrotas cumprem o papel de avacalhar com a assepsia geral. Pena que a música seja indicada unicamente a rockeiros imberbes.

Sobrou ao Metallica, ex-banda em atividade, surpreendente momento de lucidez. James Hetfield parece ter descoberto, ainda que tardiamente, que não precisa morrer com os cacoetes vocais da década de 90 e que é melhor respeitar seus clássicos do que assassiná-los.

Basta dizer que, das 5 primeiras canções do show, 4 foram tiradas de Ride the Lightning, disco anterior ao primeiro Rock in Rio, o que, por si só, já diz muita coisa.

No meio do set, uma improvável execução da instrumental "Orion" faz a banda ressurgir dos mortos. Um dos poucos momentos em que o RIR mostrado na TV valeu à pena.


Obra do acaso: Metallica surpreende no Rock in Rio

Black Sabbath e a arte de criar Paranoid, o disco

Ainda bem que existe música gravada. Não fossem os discos, e seria impossível ilustrar as evoluções na engenharia de som ou pontuar a carreira de um artista.

Talvez isso explique porque, em plena era digital, ainda se grave álbuns. Ninguém pensou em nada melhor para encapsular o zeitgeist do que produzir um disquinho de plástico, com título, capa, encarte e todo o resto.

A série "Classic Albums", do canal VH1, consagra a ideia do disco como o testamento de um artista para a história. Um de seus mais recentes episódios, dedicado ao emblemático Paranoid, do Black Sabbath, chega em DVD ao Brasil.

É imperdível ver os quatro senhores ingleses dissecando, cada qual à sua maneira, aquela que foi a pedra fundamental do heavy rock, gravada em 1970.

Paranoid não representa o apogeu técnico e criativo do Sabbath, mas sua importância histórica se justifica pela quantidade de invenções que continuam a ser copiadas 40 anos depois: da palhetada em "Hand of Doom" às duas toneladas de peso de "Electric Funeral".


Como já é de praxe em "Classic Albums", somos levados ao estúdio para ouvir os masters, enquanto o engenheiro de som original -Tom Allom- desliza os botões para destacar as pistas de gravação de baixo, guitarra, voz e bateria.

O segmento sobre a balada riponga "Planet Caravan" é um de meus favoritos. Que tal ver Toni Iommi tocando a canção no violão depois de décadas? E descobrir que alguns dos efeitos na música eram apenas de botões sendo ligados e desligados no estúdio?

Cada canção tem sua história. Geezer Butler confirma a lenda de que "Fairies Wear Boots" é uma sacanagem de Ozzy com os skinheads que lhes distribuíam botinadas. Já "Iron Man" ganhou esse título pela sonoridade de guitarra estranha e metálica e que Iommi revela como foi obtida.

A conjuntura sociocultural também explica muita coisa sobre o repertório. O álbum, como há muito revelado, era pra ser chamar War Pigs, mas a Warner Bros, receosa de entrar numa saia justa em plena Guerra do Vietnã, descartou a ideia.

A capa já estava pronta e uma canção escrita de última hora virou o novo título do disco. Um dos acidentes mais felizes da história do rock.

Bill Ward relembra que "Paranoid" foi composta em 20 minutos, após a banda voltar do pub com a tarefa de preencher mais 3 ou 4 minutos no disco. Toni Iommi sacou o riff da cartola e a banda apenas foi atrás.

O álbum vendeu 8 milhões de cópias nos EUA. E entrou para a história.


Trailer do episódio de "Classic Albums" dedicado a Paranoid.


"Electric Funeral", ao vivo, em 1978, na última e atribulada turnê com Ozzy.

Nova bomba atômica dos Datsuns sai em 2011

Você não sabe nada de kiwi rock? Não se preocupe, pouca gente sabe.

Kiwi rock é, simplesmente, o rock'n'roll feito na Nova Zelândia. O nome é estranho, mas não tem qualquer relação com a fruta. Kiwi é a ave-símbolo do país.

O assunto só é pertinente porque a maior banda neozelandesa está em estúdio, preparando o que promete ser mais uma bomba atômica.

Datsuns é um grupo formado por músicos precoces e talentosos. Gravaram 4 discos desde o ano 2000: o primeiro entrou na parada de sucessos britânica, o segundo foi produzido por ninguém menos que John Paul Jones e o terceiro -Smoke and Mirrors- é uma pequena gema.

Em 2008, fizeram uma parada completamente improvável no Brasil. Tocaram no festival Abril Pro Rock, no Recife, e esticaram até São Paulo. E isso na mesma semana em que o público da cidade se dividia para ver, pela primeira vez, e em noites diferentes, Bad Brains e New York Dolls.


Sem divulgação, o show dos jovens arautos do kiwi rock atraiu menos de 200 pessoas ao clube Inferno. Pior: a banda subiu ao palco no surreal horário das 3 da manhã. Mas quem pensa que o cenário foi desanimador não pode estar mais errado. A apresentação dos Datsuns foi arrebatadora.

O quarteto executou com total entrega seu power pop garageiro, cheio de licks, solos e refrões de lavar a alma. Com experiência de tocar em grandes festivais, os neozelandeses pareciam pouco incomodados com as circunstâncias e simplesmente implodiam a casa num desses sets inacreditáveis.

Às 4 da matina, os caras faziam um bis acachapante em meio à névoa de cigarros: Phil Somervell mandava power chords à la Pete Townshend, seu colega Christian Livingstone triturava uma Les Paul com solos recheados de wah-wah e o frontman Dolf de Borst se esgoelava, equilibrando-se em um par de botas mod. Puro rock'n'roll.

A chance de rever os Datsuns no Brasil é mínima. Mas "Gods Are Bored", prévia do novo disco, que sai ainda em 2011, é pra fazer qualquer um amar kiwi rock.




Datsuns quebram tudo com "Motherfucker from Hell"