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As mil vidas de Keith Richards

Keith Richards recebeu alardeados 7 milhões de dólares para escrever a autobiografia Life (Vida, na edição brasileira). Se o valor é astronômico, o título da obra, no singular, é modesto. Keef viveu muitas vidas numa só.

Viveu uma infância simplória em Dartford, pantonoso subúrbio de Londres, em tempos de reconstrução pós-guerra. Na mesma existência, virou protagonista numa Inglaterra enlouquecida pelo rock'n'roll e a beatlemania. Ficou milionário, tornou-se um notório junkie, ganhou status de ícone e é um guitarrista cultuado.

Mas também constituiu loucamente uma família com Anita Pallenberg, ex de Brian Jones, então viciada em heroína e ao lado de quem perdeu um filho de poucos meses em circunstâncias mal explicadas.

De todas as facetas de Keith, talvez a mais predominante seja mesmo a do músico. O cara discorre durante páginas sobre determinado riff ou acorde com incrível paixão. Explica como demorou anos para descobrir como tocar corretamente tal e tal lick de Jimmy Reed ou Chuck Berry. Um workshop quase gratuito para guitarristas.

Keef revela, ainda, como ter optado por uma guitarra com 5 cordas e adotado a afinação aberta transformou-se em sua assinatura musical. Fala também das histórias por trás da composição de riffs monstruosos como "Jumpin' Jack Flash" que, segundo ele, é mais ou menos "Satisfaction" tocada de trás pra frente. E não é?


No calhamaço de mais de 600 páginas, há causos e revelações às pencas. Da famosíssima sessão de gravação do clássico Exile on Main St. até os incontáveis flertes com a morte. Da vida glamourosa com temporadas na costa da França, na Roma do CineCittà e na misteriosa Marrakech, até lembranças do massacre no festival de Altamont, evento que, metaforicamente, e ao lado dos assassinatos Tate-LaBianca, iniciou o processo de distopia que desembocou nos anos 70.

A década, aliás, é tratada por Keith como um verdadeiro buraco negro em que foi tragado pelo vício frenético em heroína. O guitarrista não se gaba da fama de junkie, mas explica como seu modus operandi e o uso de drogas farmacêuticas de ótima procedência, como a cocaína da Merck, evitaram um desastre maior. A carcaça resistiu, mas idas ao tribunal foram muitas -algumas realmente hilárias-, e também deprimentes momentos de sarjeta.

Nas memórias de Richards, Charlie Watts é sempre lembrado pela elegância no trato e no ofício de baterista. Brian Jones era um causador de problemas e Bill Wyman, quase um anônimo. Mick Jagger, alma-gêmea de Keith, claro, é merecedor de muitos parágrafos ao longo de quatro décadas de reminiscências: do amigo inseparável e possessivo a um pop star distante e deslumbrado com o jet-set.

O trânsito livre pelo mundo da música rendeu dedicadas incursões na cultura rasta jamaicana, viagens de ácido com John Lennon, uma tarde de jam session com Jerry Lee Lewis, namoro com Ronnie Spector, um histórico encontro com Chuck Berry e seu esquecido baterista, e discos solo com a charmosa banda de apoio X-Pensive Winos.

Por trás das excentricidades, Richards revela-se um homem culto e com uma afiada, ainda que singular, visão de mundo. E viveu, mas viveu muito.


Os puristas que me desculpem: toda a maestria de Keith Richards em "Rock and a Hard Place"

10 filmes rock'n'roll para seu fim de semana

Rock'n'Roll High School
(Rock'n'Roll High School, 1979)
Misture um clipe do Twisted Sister com qualquer filme retardado sobre fraternidades estudantis, de preferência com um aloprado como John Belushi, e você tem Rock'n'Roll High School. Anárquico até o caroço e com a participação dos Ramones como a banda endeusada pelos alunos rebeldes. Já valeria pela imperdível cena com Dee Dee Ramone tocando baixo no banheiro da maluquete Riff Randell.

Estranhos no Paraíso
(Stranger Than Paradise, 1984)
O cineasta cult Jim Jarmusch viu e ouviu tanto punk rock na vida que é o único não-músico entrevistado no documentário Punk: Attitude, de Don Letts. Isso diz alguma coisa. O clássico "I Put a Spell on You", de Screamin Jay Hawkins, dá liga nessa história minimalista sobre um cool e entediado novaiorquino que recebe a inesperada visita de uma prima vinda da Hungria.

Repoman - A Onda Punk
(Repoman, 1984)
Participação do Circle Jerks, ponta do lendário disc-jóquei Rodney Bingenheimer e ótima música-tema de Iggy Pop num dos roteiros mais absurdos de todos os tempos. Mistura de punk rock, OVNI's e teorias conspiratórias com o submundo da busca e apreensão de veículos. Não entendeu? Assista.

Um amor e uma .45
(Love and a .45, 1994)
É o filme que Eddie Spaghetti teria feito se fosse cineasta. Road movie psicodélico sobre um casal de foras-da-lei que foge para o México após se meter numa série de confusões. Tem Peter Fonda como um hippie sequelado pelo ácido e Reverend Horton Heat -em pessoa- tocando num bordel imaginário ao sul da fronteira. Direção musical de Tom Verlaine e trilha sonora faiscante com Butthole Surfers, Flaming Lips, Meat Puppets e Johnny Cash.

Velvet Goldmine
(Velvet Goldmine, 1998)
O herói (ficcional) do glam rock Brian Slade desaparece do mapa após incendiar a década de 70 e forjar a própria morte. Em 84, um jornalista britânico tem a tarefa de encontrar Slade e passar a limpo sua história selvagem na música pop. Livremente inspirado em David Bowie, fase-Ziggy, e em Iggy Pop, via o personagem Curtis Wild, intepretado com vigor por Ewan McGregor.


Quase Famosos
(Almost Famous, 2000)
Cameron Crowe faz um relato semi-autobiográfico sobre sua adolescência como repórter da Rolling Stone. No filme, um garoto de 15 anos embarca na turnê da banda Stillwater -mui inspirada nos Almann Brothers- para conseguir sua primeira matéria. Uma história sobre a perda da inocência, os excessos e a megalomania do rock dos anos 70 entupida de referências.

C.R.A.Z.Y.
(C.R.A.Z.Y, 2005)
Produção canadense traz um drama familiar singular, repleto de referências pop e o melhor uso de Pink Floyd no cinema. O protagonista, Zac, em conflito com a sexualidade, viaja em seu mundo particular ouvindo "Space Oddity", de Bowie, mas tem que lidar com um pai machão cujo maior objeto de fetiche é um LP da cantora country Patsy Cline. Um dos melhores filmes dos anos 00.

Tenacious D - Uma Dupla Infernal
(Tenacious D in the Pick of Destiny, 2006)
Um músico de rua de meia-idade, sustentado pela mãe, ganha um fã incondicional e monta com ele uma dupla que busca chegar ao megaestrelato. Antes disso, porém, eles precisam encontrar uma palheta de guitarra mágica e feita com lascas do chifre do capeta. Participação hilária de Ronnie James Dio e um Jack Black incontrolável.

Adventures of Power
(Adventures of Power, 2008)
Já imaginou escrever um roteiro baseado em personagens que praticam air guitar? Então esqueça: Adventures of Power é mais pirado que isso. O filme trata de um nerd apaixonado por música e com zero talento musical que descobre no air drums sua verdadeira vocação. E tudo vai mudar quando ele se conectar ao submundo dos aspirantes a air drummers. Um besteirol surreal inédito no Brasil.

Piratas do Rock
(The Boat that Rocked, 2009)
Na década de 60, um barco em águas internacionais hospeda uma rádio pirata flutuante com um bando de DJ's alucinados. Recriado com o mood ingênuo da época, o filme é uma homenagem ao rádio e aos swingin' sixties. Atuações imperdíveis de Phillip Seymour Hoffman e Bill Nighy, e uma trilha crocante com Kinks e Stones.

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Nada é impossível: air drums como tema de um longa-metragem


Em C.R.A.Z.Y., é melhor não brincar de imitar Ziggy Stardust