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Shaft nunca mais: R.I.P., Charles "Skip" Pitts

Um dos grandes guitarristas do planeta saiu de cena na última terça-feira, dia 1º de maio, sem muita repercussão. Charles "Skip" Pitts morreu aos 65 anos, de câncer no pulmão.

Skip foi um dos mais requisitados músicos de estúdio nos anos dourados da lendária gravadora Stax e braço direito de Isaac Hayes por várias décadas. Sua mais famosa contribuição é tão sutil quanto emblemática: o riff de "Theme from Shaft", canção de Hayes que levou o Oscar em 1972.

Já foi dito aqui antes -e muito possivelmente em outros lugares-, mas é justo repetir: a guitarra com wah-wah na introdução do tema conseguiu encapsular em poucos segundos toda uma época. É como se soul, funk e todos os filmes de blaxploitation pudessem ser explicados com um único som. Incrível.

Como costuma acontecer, a história por trás da criação atemporal revela a presença do improviso. Skip contou à revista Guitar Player como surgiu o famoso riff.

"Aquele trecho de 'Shaft' foi criado porque Isaac precisava de algo pra servir de condução para o início do filme (...). Eu estava checando os meus pedais. Testei meu overdrive, meu reverb, o box Maestro, e então eu comecei com o wah-wah. Isaac parou tudo e disse: 'Skip, o que é que você está tocando?'. Eu respondi: 'Estou apenas afinando'." E ele disse: 'OK, continue tocando, mas agora em Sol maior'".

Além de Hayes, o guitarrista também teve seus préstimos requisitados por outros artistas da pesada como Al Green, Albert King e Wilson Pickett.

Apesar da saúde debilitada, Skip continuava na ativa com sua banda de jazz/soul Bo-Keys. Sua última apresentação em público aconteceu na noite de revéillon.

Shaft, nunca mais.


Charles "Skip" Pitts e os Bo-Keys tocam o tema de Shaft em 2010

Porque sua banda radical favorita é música de ninar

Em meados dos anos 90, trabalhei brevemente com um amigo que alimentou um sonho impossível: manter uma distribuidora de discos especializada nos selos mais originais do planeta. Da inglesa Recommended Records até os títulos casca-grossa da obscura Cenotaph, passando pelos lançamentos menos óbvios da celebrada SST.

No meio das importações, chegavam caixas abarrotadas de LPs e CDs de selos menores e que revelavam artistas ainda mais radicais e complexos. Cada disco, uma surpresa.

Claro que o projeto sucumbiu diante da então incipiente cena alternativa local, mas muitos daqueles discos -vendidos em sistema de mailorder- foram parar em cantos esquecidos do Brasil e fizeram a cabeça de fãs de música pouco ortodoxos.

Apresento abaixo um Top 5 com as estrelas da companhia. Ouça por sua conta e risco, e descubra que sua banda radical favorita pode parecer brincadeira de criança.


Bob Ostertag
Excêntrico manipulador de sons, Ostertag já se meteu com John Zorn e Mike Patton, e quase nada do que produz é palatável. O disco "Sooner or Later", de 1991, é uma bizarrice sem tamanho: mais de 40 minutos em que trechos do funeral de um guerrilheiro salvadorenho são reorganizados em várias combinações: uma criança chorando, pás cavando o túmulo e moscas sobrevoando o defunto. Lá pelo meio do disco, uns 20 segundos de guitarras tortas de outro maluco: Fred Frith, do Massacre e Naked City.


Sudden Infant
Projeto ultra-experimental do artista suíço Joke Lanz que é apreciado por umas 14 pessoas no mundo. O primeiro disco do Sudden Infant data do início dos anos 90 e se chama "Radiorgasm". Trata-se de uma sinfonia tonitruante de microfonias e ruídos de estática. A capa traz uma ilustração desagradável de gêmeos siameses. Foram prensadas 300 e poucas cópias do disco e depois, com o advento da internet, "Radiorgasm"ganhou alguma sobrevida. Lanz continua explorando possibilidades radicais com o Sudden Infant em intervenções artísticas por museus e galerias da Europa e EUA.


Zoogz Rift
Perambulou pela gravadora SST nos anos 80 e gravou uma penca de álbuns alucinados com uma banda de apoio de delinquentes musicais - os Shitheads. Guitarrista talentoso e compositor torto com predileção por arranjos irritantes, Zoogz Rift era também um campeão em criar títulos de discos: "Island of Living Puke" e "Idiots on the Miniature Golf Course" são algumas de suas pérolas. Maluco que só ele, entrou de cabeça no mundo da luta-livre estilo marmelada, ambiente no qual teve algum reconhecimento. Dizem que foi enxotado por Frank Zappa quando apareceu, devidamente imundo e esfarrapado, na casa deste. Editei a única entrevista de Zoogz para a imprensa brasileira, na qual o sujeito desanca Zappa e discorre sobre sua composição física ("98% do meu corpo é formado por água"). Morreu aos 57 anos de complicações causadas pela diabetes.


Wesley Willis
Cantor afro-americano portador de esquizofrenia crônica e que transformou-se em herói cult na cena alternativa. Suas letras bizarras, repletas de nonsense e obscenidades, versavam sobre super-heróis, fast food e outros músicos, sempre pontuadas por slogans de alguma marca conhecida. A música variava do punk rock primal a melodias deliciosamente esculhambadas sob o som de algum teclado de brinquedo. Outra curiosidade sobre Willis é que ele cultivava um tremendo galo na testa por conta de seu famoso cumprimento que consistia em dar uma cabeçada na testa de seus fãs e amigos. Morreu aos 40 anos, vítima de leucemia, e deixou um legado de mais de 50 álbuns.


Damião Experiença
Já imaginou se Captain Beefheart inventasse de regravar "Tim Maia Racional" à sua maneira e com Sun Ra de produtor? Pois bem, um baiano radicado no Rio de Janeiro chegou perto do som que provalvemente resultaria dessa combinação surreal. Artista radical e idiossincrático, Damião autofinanciou uma obra sem paralelos na música brasileira. Seus quase 30 discos têm capas aleatórias e boa parte do repertório é cantado no dialeto imaginário de seu Planeta Lamma. Aos 77 anos, vive numa favela do Rio e faz raras e pontuais aparições. É cultuado por um público jovem que o descobriu na internet.


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