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As raízes sangrentas de Max Cavalera

Max Cavalera é, de alguma forma, o maior rock'n'roller que o Brasil já produziu. No sentido estrito do termo, de conduzir uma longa e bem-sucedida carreira, de manter-se fiel a um jeito de fazer música, de escapar de embaraçosas concessões comerciais, Max é único. Viveu o sonho dourado do rock'n'roll em toda sua glória e sobreviveu para contar. As memórias chegaram há pouco, na forma de uma autobiografia chamada "My Bloody Roots".

O livro é um extenso relato oral transcrito e organizado por Joel McIver, jornalista inglês que se notabilizou por escrever biografias -normalmente não autorizadas- de artistas de heavy metal. Max Cavalera tem um jeito despachado e "metal pra caralho" de contar histórias. Suas colocações, hipérboles e palavrões caem bem no papel e terminam soando com uma agradável conversa de bar.

Os nerds obcecados com a precisão dos fatos, com nomes e números podem arrancar os cabelos, mas não se pode criticar o livro por ter pouca informação. Max fala da infância, da perda do pai, do descobrimento do rock, da fundação do Sepultura, de sua ascensão, queda e reinvenção com o Soulfly. Há detalhes sobre a composição e gravação de cada disco, histórias de turnê, a percepção do sucesso e uma sucinta versão dos acontecimentos que levaram a sua saída do grupo.

"My Bloody Roots" parece feito para os fãs estrangeiros de Max, e que são muitos. Ele apresenta o Brasil ao leitor gringo sob uma névoa de perigo e mistério. Relata os rituais do candomblé, a truculência da polícia e a liberalidade no cumprimento de leis (menores de idade que bebem e se tatuam). O recorte é exótico, mas não necessariamente depreciativo. Max Cavalera é um embaixador torto do Brasil.

A projeção do Sepultura é contada do jeito que também me lembro - e fui testemunha ocular da transformação da banda, de um exótico combo de death metal em algo realmente especial. A percepção, já nos anos 80, era que o Sepultura estava um patamar acima de seus pares brasileiros. E o álbum Schizophrenia, lançado em 1987, os levou a uma esfera completamente diferente.

A saga de Max Cavalera para plantar o grupo no cenário internacional merece crédito. Descobrimos agora, através de suas memórias, que conseguiu passagens grátis com um amigo, então funcionário da Pan-Am, e voou para Nova York, de terno e gravata, se passando por um empregado da companhia aérea! Encontrou-se em Manhattan com duas figurinhas carimbadas do metal underground americano, Monte Conner e Borivoj Krgin, e desse encontro germinaram as sementes para o contrato com a gravadora Roadrunner.


A ascensão do Sepultura é meteórica e sem paralelos no rock brasileiro. Max Cavalera relata a experiência de tocar em estádios lotados pelo mundo afora, virar ídolo na América, ganhar discos de ouro e admiradores nos quatro cantos do planeta. Quando, no auge da popularidade, separou-se da banda, já eram os maiores artistas do cast da Roadrunner e, de acordo com Sharon Osbourne, os postulantes ao papel de "novo Metallica". Um status inacreditável para os dois irmãos que começaram tocando em um porão de Belo Horizonte aos 14 anos de idade.

Se Max é econômico ao descrever seu traumático afastamento do grupo, que veio a reboque de outra experiência devastadora -a morte de seu enteado Dana Wells-, o mesmo não pode ser dito sobre as lembranças de como foram geradas suas duas obras-primas: Chaos A.D e Roots. São fascinantes os relatos das aventuras da banda no estúdio, o esmero na produção e concepção musical, a riqueza nos detalhes e a percepção de que estavam parindo clássicos imediatos. Sugiro ler as passagens sobre a gravação da épica "Kaiowas" em um castelo do País de Gales, sob a batuta do notório produtor e engenheiro de som Andy Wallace. E também a epopeia que os levou a conduzir uma incrível e inusitada jam session com os índios xavantes. São registros produzidos no limiar da mudança de padrões e que terminaria por sepultar, sem trocadilho, o formato clássico de álbum. 

Se ainda se faz necessária qualquer reavaliação estética, me antecipo em afirmar que Chaos A.D e Roots merecem um lugar de destaque na história da discografia brasileira. Suspeito, no entanto, que a ausência de um tal componente antropológico impeça que jornalistas, historiadores e músicos de outros gêneros reconheçam a qualidade assombrosa de tais obras.

Aos 45 anos, com 19 álbuns de estúdio, milhões de discos vendidos e um legado que lhe faz ser visto como um tipo de xamã dos sons pesados, Max Cavalera já tem estatura para contar sua história. E vale a pena conhecê-la.